Friday, December 16, 2005

Depois de um longo inverno, algo sobre o que escrever.

Fante e Schumacher. Quem diria.

Dream a little dream of the Hill. John Fante, que de “in”fante não tinha nada quando escreveu “Sonhos de Bunker Hill”, já estava esperando a visita do Ceifeiro Medonho, mas não deixou sua pena cair, mesmo cego e paralítico quando foi atingido pela diabetes. E não deixou por menos. Trouxe seu alterego, o eterno Arturo Bandini, pouco depois dos acontecimentos de “Pergunte ao Pó” com toda a força sublime e inocente que o personagem traz consigo. Bandini é a epítome de todos os jovens sonhadores, não importa qual seja a época em que eles venham.
Todos sonham um dia em ganhar dinheiro ficar rico enfim, principalmente se o dinheiro vem no que a gente mais gosta de fazer – no seu caso, escrever. Aqui ele já aparece um pouco mais maduro, se acotovelando no microcosmos do centro de Los Angeles, esperando a sua grande chance de finalmente acontecer. E o que acontece quando Bandini “acontece”? Quando consegue sua chance de ser um roteirista de um grande estúdio de Roliudi? Dos roteiros para a vida de escritor, os amigos descartáveis, os amores frustrados, os livros não escritos e o retorno frustrante ao coração do lar caipira.
A prosa de Fante vem mínima, quase quebradiça, sequências e pequenas esquetes dos personagens que vivem na Cidade dos Anjos e como ele continua se perdendo nos atalhos e vielas que a vida traz – por mais brega que soe a oração anterior. No fim das contas, a única coisa que se pode fazer é continuar escrevendo, mesmo estando num quarto imundo com apenas dezessete reais no bolso. Continue andando, é a frase principal. Sem olhar para os lados, exceto quando se atravessa a rua.
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Quem diria. Joel Schumacher consegue fazer um filme que não seja gay-camp. Primeiro foi “Por Um Fio”, quase um filme conceitual se pararmos para pensar. E agora, “TigerLand”. Certo, não tão “agora”. Mas vale a pena falar desse filme, afinal de contas trouxe à ribalta o irlandês Colin Farrell, o Liam Gallagher do cinema. (espero que ele se recupere logo do over que teve no fim das filmagens de “Miami Vice” em Punta Del Este”. Tudo bem que é Miami, cocaína e anos oitenta, mas nem por isso você vê o povo saindo com blazers de ombreiras a torto e direito)
“Tigerland” é o nome da última parada dos recrutas americanos antes de enfrentarem os V.Cs no Vietnã. Um simulacro de guerra com tudo o que o pacote pede: vida de cão, stress, violência desnecessária. Roland Bozz é um desses recrutas mas faz questão de não levar a guerra a sério – por isso ele é tido como o garoto-problema da Companhia no campo de treinamento na Louisiana. Mas como é mais esperto que a maioria de seus superiores (e por isso é tratado de maneira diferenciada), ajuda os mais coitados a darem um jeito de se livrarem da sina macabra de morrer furado de balas em algum campo de arroz no sudeste asiático. A admiração de muitos na sua unidade – como a de seu grande amigo Recruta Paxton (Matthew Davis) - e a antipatia de um de seus colegas de alojamento, o recruta Wilson (Shea Wigham). Ser o único a questionar a utilidade da guerra dentro de um quartel ianque pode ter seus problemas, como a “cena do rádio”, quando o sargento instrutor decide “ensinar outros meios de se usar um rádio”, como eletrocutar as partes íntimas de um prisioneiro vietcong.
A abordagem de Schumacher demonstra momentos de estresse, idílio e a simples exasperação que uma guerra traz para cada um de seus envolvidos. Nas cenas de treinamento de campo a câmera treme como se fosse um personagem participante da ação, e mostra com apenas uma pequena forçação de barra como uma pessoa comum pode acabar virando um cérebro de pudim de leite no Exército. Libelo pacifista vintage sem muita afetação. Quem diria.

Detalhe: depois de Scarface, todo mundo se esforça para superar o número de palavrões em um filme. A palavra “fuck” foi pronunciada 276 vezes em menos de 100 minutos. Que maravilha.
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